segunda-feira, 7 de maio de 2018

Galera (capítulo 3) – Ventos de Maio 68



(texto publicado no jornal O Estado do Maranhão em 25 de abril de 1998)

Félix Alberto Lima
Francília Cutrim


No último dia 17 de abril, o Fórum Galera reuniu centenas de estudantes no auditório do colégio Liceu Maranhense para discutir o tema “1968 a 1998 – 30 anos de mudanças no comportamento da juventude”. No dia anterior, como parte do fórum, os alunos assistiram ao filme O que é isso, companheiro?, de Bruno Barreto. O bate papo no Liceu foi dividido em três blocos, cada um relacionado a uma geração. Assim, participaram do fórum, como convidados do Galera, o radialista e produtor musical Gilberto Mineiro (que substituiu o cantor e compositor Sérgio Habibe); o poeta, jornalista e designer Paulo Melo Sousa; e a estudante de Radialismo, poeta e performer Beth Ysatis.

Por que esse tema? – o leitor deve estar se perguntando. Vamos aos fatos. Estamos entrando no mês de maio. E foi exatamente em maio de 68 que estudantes universitários iniciaram na França um movimento de contestação que iria se espalhar pelos quatro cantos. Quando o ano acabou, o mundo tinha experimentado uma daquelas explosões que alteram costumes, valores e culturas. Foi o ano das ideias, das barricadas do desejo, do poder em xeque, do sarro ao establishment. Nos Estados Unidos, a euforia foi quase simultânea. E no Brasil, que estava mergulhado numa ditadura militar, o eco veio das manifestações de rua e dos gritos nos porões do DOI-CODI.

1968 não foi um ano qualquer. Especialmente porque determinados fatos marcaram a juventude da época e influenciaram as novas gerações. Outro motivo? São 30 anos da história recente do Brasil, a história que não está contada nos livros didáticos. E olha que são 30 anos de transformações radicais.

Gilberto Mineiro falou, no Fórum Galera, sobre “O desbunde” (os anos 1970). Segundo ele, foi uma das décadas mais férteis, sob o ponto de vista da evolução cultural. Recorreu, antes de entrar nos anos da contracultura, à década de 1950 para explicar o espírito revolucionário de jovens americanos. “Nessa época, a juventude resolveu contestar o imperialismo dos Estados Unidos”. Para isso, relata, tiveram peso decisivo o surgimento do rock and roll e a geração beat.

As ideias existencialistas que vinham da França criavam, segundo Gilberto Mineiro, raízes na inquietação da juventude brasileira, tanto na literatura como na música e no teatro. “Os levantes dos universitários eram mais espontâneos, ao contrário do que vem acontecendo hoje. Os militantes de agora estão envolvidos na guerra político-partidária”. Havia, nas entrelinhas da política, a cultura (a Tropicália e os festivais de música, mais especificamente) polarizando com a ditadura. “Hoje não existem causas palpáveis que justifiquem uma luta, e isso deixa a geração dos anos 1990 meio perdida”, compara Gilberto.

Paulo Melo Sousa fez referência, antes de entrar no tema “Geração Coca-Cola” (os anos 1980), ao livro O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira, e ao movimento de 1979 pela meia passagem em São Luís. “Na década de 1970 havia motivos para a juventude ir à luta nas ruas. A geração seguinte, rotulada e desarmada, teve de recorrer a causas mais localizadas e específicas”.

O movimento estudantil e a luta contra a repressão – que na década de 1980 ainda imperava na Universidade Federal do Maranhão –, segundo Paulo Melo Sousa, eram os elementos que associavam o jovem de São Luís a algum tipo de rebeldia. O poeta e jornalista lembra que o Circo Voador armou sua tenda na cidade, na década passada, aglutinando todas as tendências culturais. “A onda do rock no país influenciou bandas locais e fomentou a realização de alguns festivais”.

Paulo Melo condenou a banalização da cultura nos anos 1990, especialmente os estilos musicais de consumo fácil (como pagode, forró e axé) e a profusão dos carnavais fora de época. Num determinado momento, comparou a cultura a um prato de comida que às vezes surge com ótima aparência na nossa frente. “Nem tudo que é servido é pra ser digerido”, disse. “Veja os filmes de ação que nos apresentam, com Stallone, Van Damme e outros. É sempre a mesma coisa. Só mudam os caras que apanham”.

A saída, de acordo com Paulo Melo Sousa, está na cultura. “É possível escapar da alienação”, salientou. “Tomara que esse debate aqui sirva como exemplo e que vocês possam ampliar a discussão para outras áreas do conhecimento”, concluiu ele.

“Sem botão, no tempo, no topo, no chão...” (os anos 1990) foi o tema abordado por Beth Ysatis. Argumentou, a princípio, em favor de uma geração que vive sem perspectivas ou ideais devido à ausência de causas. Beth falou da relação do reggae com a classe média e espetou a convicção daqueles que associam o estilo musical a um movimento cultural em São Luís. “Não existe movimento reggae em São Luís. Se existiu, ele foi puramente comercial. Não houve nada de movimento comportamental”.

A juventude de hoje, de acordo com Beth, está muito comedida em suas atitudes. “A mídia incentiva o consumo e o jovem, diante de sua dispersão, cede a todos os apelos. E tudo, é claro, vem muito bem enlatado, no ponto de ser consumido”. Beth Ysatis falou sobre a queda na qualidade do ensino público nos últimos anos e a indústria de cursinhos que vem se formando em todo o país.

A performer abordou também temas como ecologia, literatura de autoajuda e crise de identidade. “Hoje há uma descaracterização cultural acentuada, não há modelo, não há padrão. Você pode transitar por vários grupos e não se identificar com nenhum deles, sem cobranças”. Segundo Beth Ysatis, é preciso aproveitar as ferramentas oferecidas pela globalização. “Só assim poderemos ampliar nossos conhecimentos”.

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