domingo, 26 de maio de 2013

Churrascaria no domingo

Ir à churrascaria no domingo é um desafio do primeiro ao último ato do programa. Sofro por antecipação, perco a fome antes mesmo de sair de casa, como que tomado por um bloqueio psicológico. Ainda assim me rendo ao convite da turminha aqui de casa que se realiza num prato de picanha. Não todo domingo, claro, mas pelo menos a cada aparição do cometa Halley eu assumo esse compromisso com a criançada na boa.

Churrascaria é meio um estádio de futebol, aqueles marmanjos vestidos com suas camisas do time preferido, fila pra entrar e gente falando alto. Com uma diferença: no estádio se come de maneira mais civilizada. Repare que o freguês contumaz de churrascaria vai a um rodízio como quem vai a um jogo e torce sem cerimônia contra o dono da casa. Sente prazer em comer demasiadamente, mesmo sem vontade, só pra ver o adversário derrotado, no prejuízo. E, qual um torcedor que deixa o estádio aos gritos de felicidade pela vitória do time, o freguês sai do almoço arrotando, contando vantagem para os amigos. Com o detalhe de que torcedores raramente externam sua barbárie.

Na churrascaria o tormento começa mesmo na mesa. Almoço, a rigor, é um ritual de bocas fechadas em processo de mastigação do alimento, demorado, pontuado aqui e ali por conversas sutis. No rodízio, você olha em volta e a impressão que se tem é a de que a clientela toda acabou de voltar da seca de 1930. O garotinho ao lado com um imenso pedaço de carne na boca e uma coxa de frango no garfo não disfarça o apetite e ainda zomba da irmã que não o acompanha na corrida contra o tempo. Sim, em churrascaria comer rápido é uma questão de método. Parece que que aqueles espetos todos vão desaparecer em minutos e que, portanto, não basta somente comer todas as carnes, é preciso devorá-las antes do apagão.

Voltando ao garotinho, já quase sem fôlego e empapuçado de tanta carne e gordura, por orientação da mãe ele faz uma trégua relâmpago na guerra que trava com a comida para entornar meio litro de Coca-Cola. O resultado é imediato e, refeito da quase congestão diante da família, ele empunha novamente os talheres e grita pelo garçom, que lhe empurra mais meio quilo de maminha no prato.

Fico embrulhado com o que vejo, mas não me entrego, afinal o nosso cometa Halley só vai passar de novo daqui a uns dois ou três meses. Com os garçons cruzando espetos gigantes sobre os meus ombros, aquela carne escorrendo sangue como se o boi acabasse de ser abatido ali no estacionamento da churrascaria, tento me esquivar como posso de um talho de faca nas costas ou no rosto. A salmoura descendo pelo canto da boca da madame que acabou de sentar na mesa da frente me devolve a náusea, porém resisto bravamente canalizando a energia que me resta para apreciar a desenvoltura do garotinho glutão.

As carnes de churrascaria são tantas e de tantos nomes que me perturbo na escolha. Vou no trivial para não arriscar entre o gato e a lebre. “O senhor aceita o javali?”. Olho desconfiado pro bicho e, pela aparência, percebo que a oferta está bem maior que a procura. “Prove, o senhor vai gostar”, insiste o garçom. “Não, obrigado”. O dócil javali fica pra uma outra partida. Saio com aquela sensação de quem está sendo observado pela clientela veterana da churrascaria, que me põe na conta de um torcedor cujo time, freguês por excelência, perdeu mais uma vez, e de goleada, para o dono da casa.

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