sexta-feira, 3 de junho de 2011

No lugar dos casarões coloniais, estacionamento para veículos

Dando continuidade ao projeto Redemoinho do Tempo, hoje trago reportagem que publiquei no jornal “O Estado de São Paulo” no dia 28 de maio de 2000. O tema, embora pauta velha nas redações dos jornais de São Luís, continua atual, pois os desabamentos de casarões coloniais no Centro Histórico da cidade são recorrentes a cada novo período invernoso. Hoje o problema é mais grave do que ontem, afinal os proprietários de imóveis do Centro usam a artimanha do descaso para, a pretexto das chuvas fortes, transformar aquilo que um dia foi parte significativa da nossa história – o patrimônio arquitetônico - em área de estacionamento para carros.

Onze anos depois de publicada a reportagem (com fotos de Ariosvaldo Baêta), a frota de veículos de São Luís dobrou, e hoje já são mais de 260 mil automóveis circulando pela cidade que tem um milhão de habitantes. Algo próximo de um carro para cada três pessoas. Muita máquina para pouca rua, rua estreita, rua frágil para tanto peso. Muito veículo para pouca vaga de estacionamento. Resta um negócio rentável em qualquer ruína onde outrora foi uma morada. Leia.


Descaso ameaça casarões históricos de São Luís

Em menos de 15 dias, dois casarões do Centro Histórico de São Luís desabaram e pelo menos 25 prédios tombados pelo Patrimônio Mundial estão ameaçados de ruírem devido ao precário estado de conservação. As chuvas fortes do período de inverno na região têm contribuído para os riscos de desabamento.

O sítio arquitetônico da cidade, de origem portuguesa, é formado por 3.500 imóveis remanescentes dos séculos XVIII e XIX, dos quais 1.200 casarões foram tombados, em 1997, pelo Fundo das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) como Patrimônio da Humanidade.

Os representantes dos órgãos públicos que fazem a conservação e manutenção do acervo arquitetônico alegam que os prédios estão desmoronando porque foram abandonados pelos seus proprietários. Os desabamentos podem incluir São Luís na lista dos Bens Mundiais em Perigo, da Unesco, o que pode resultar na suspensão do título de Patrimônio da Humanidade.

O coordenador do Departamento de Patrimônio Cultural do Maranhão, engenheiro Luiz Phelipe Andrès, diz que o poder público tem impedimento legal para agir em algumas situações de risco. “Muitos imóveis são de particulares e em alguns deles há casos de heranças com pendências judiciais.” No Ministério Público Federal há 30 ações cíveis que exigem de proprietários e do Instituto do Patrimônio e Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a recuperação física dos imóveis.

O último casarão a desabar foi o da rua Humberto de Campos, em uma das praças mais movimentadas da cidade. O acidente ocorreu na madrugada do último dia 15. Em janeiro de 1999, o prédio foi interditado pela Defesa Civil, que retirou “à força” a octogenária Vitória Perez, única moradora do local. Hoje morando em casa de parentes, Vitória diz não acreditar que a sua casa caiu.

A governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), em visita aos escombros do casarão, reagiu ao descaso dos empresários que possuem imóveis no Centro Histórico. “Fico indignada e lamento pela insensibilidade de algumas pessoas.” Ela informa que o Governo do Estado está investindo R$ 22 milhões em infra-estrutura, instalação de redes de energia e restauração de casarões e monumentos históricos.

Alguns dos imóveis da área tombada pela Unesco estão ocupados irregularmente e são habitados, em regime de condomínio, por famílias de baixa renda. Um sobrado colonial chega a abrigar em média 10 famílias, além de pequenas lojas na parte térrea. Os moradores temem por novos desabamentos, mas dizem que não têm para onde ir. “Não podemos recuperar o prédio; alguém precisa fazer isso por nós”, admite o aposentado João Francisco da Silva.

A elevação da taxa do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para a área do Centro Histórico, com possibilidade de benefícios e isenções para os proprietários que preservarem os imóveis, é uma alternativa apontada pela coordenadora do Iphan, Sílvia Leal. “É uma saída quase compulsória, mas que pode amenizar o problema.” Os prédios tombados têm área ampla, o que faz com que as obras de recuperação tenham um custo elevado. A maioria dos moradores não tem condição de arcar com reformas, que precisam ser orientadas e fiscalizadas pelo Iphan.

O empresário Carlos Gaspar, descendente de portugueses e dono de dois imóveis que já ruíram no Centro Histórico, discorda da alternativa apontada pelo Iphan. O Maranhão, segundo ele, tem a taxa mais elevada de IPTU do País. “O Iphan proíbe qualquer tipo de reforma na estrutura dos imóveis, o que dificulta a funcionalidade de um prédio nos dias de hoje”, reage. Gaspar diz ainda que o poder público não tem um projeto que garanta retorno aos empresários que possuem imóveis na área do Centro Histórico. “É difícil investir em infra-estrutura sem saber o retorno.”

PROJETOS DE REVITALIZAÇÃO

A parte mais significativa do conjunto de casarões coloniais de São Luís, localizada na área conhecida como Praia Grande, teve sua restauração concluída em 1990, com recursos repassados pela administração do então presidente da República, José Sarney. No mesmo período, as atividades econômicas da cidade começaram a migrar do Centro para os bairros da região litorânea, onde foram construídos shoppings e modernos prédios residenciais.

O arquiteto Gustavo Martins Marques explica que as migrações foram motivadas pelas dificuldades de acesso dentro da área do Centro Histórico. Na área da Praia Grande, todas as ruas são interditadas para veículos, o que, na opinião do arquiteto, enfraquece o comércio e cria problemas para os moradores. “O abandono começou por causa dessas dificuldades.”

Os desabamentos de casarões, de acordo com o levantamento do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) e Defesa Civil, estão associados ao abandono da área. Marques apresentou um Plano Diretor à Prefeitura de São Luís há um ano no qual aponta os problemas de acesso e propõe intervenções na infra-estrutura e programas de desenvolvimento urbano e econômico para o Centro.

O Governo do Estado e a Caixa Econômica Federal estão desenvolvendo um projeto que cria núcleos habitacionais no Centro da cidade. O objetivo, na opinião dos técnicos do Departamento de Patrimônio Histórico, é revitalizar a área e inibir o abandono dos imóveis. Inicialmente serão utilizados cinco prédios do Governo do Estado.

2 comentários:

  1. Matéria muito boa!
    O governo deveria sair do papel tantos projetos para a revitalização e coloca-los em prática,assim São Luís voltaria a despontar como pólo turístico.

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  2. Caro Félix, também escrevi sobre essa danosa prática. Mas acho que fui tão metafórico que ninguém prestou atenção. Belo texto o seu. Um abraço

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